domingo, novembro 08, 2009

03

Enquanto ele não aparecia, ela matava tempo bebendo algo. Qualquer coisa. Sem álcool.
Um sujeito, bem arrumado - bem arrumado demais, até, duma maneira que levanta dúvidas sobre a sexualidade do indivíduo - sentou na mesa dela e começou a conversar. Ela se mostrou indiferente com a presença dele e não respondia ao que ele falava, mas como não fora expulso, ele continuava a falar, evitando frases que precisassem de alguma resposta dela para continuar sua conversa.

Pode-se dizer que ela o fascinava. E ele falava, bela e pomposamente, o sujeito. Sabia usar as palavras ao dirigir-se a uma dama.

Então ele chegou, e ficou olhando a cena, com um saco de pão nos braços, sem entender muito o que acontecia. Ela o avistou. Fora questionada com um olhar e ela deu de ombros. O indivíduo interrompeu seu monólogo, olhou para a aparência bruta daquele que chegava (embora qualquer um parecesse bruto diante de alguém tão bem vestido que beirava a fronteira para o espalhafatoso) e bradou, desafiante:

- Deixe-a aos meus cuidados! Certamente sou capaz de proporcionar a essa dama serviços muitos melhores do que um bruto como você! Se é que você pode proporcional algo... - e seguiu com uma risadinha inconveniente.

Ela achou aquilo muito divertido. O indivíduo estava numa pose desafiante. Mas ele, que acabara de chegar com pães, não parecia estar no humor para continuar aquilo que, para ele, pelos deuses, só podia ser uma piada.

- Posso dar a ela suas tripas numa bandeja, para que ela possa usar como recheio para estes pães.


O rosto do indivíduo foi adornado por uma expressão de asco, e ela riu. Uma risada suave, agradável e, na falta de termo melhor, gostosa de se ouvir. Era o tipo resposta que ela esperava ouvir, mas ainda assim ela sempre se surpreendia.
O indivíduo a encarou. Ela deu de ombros e mandou-o embora com as mãos. E ele sumiu.

- Sabe, ele dizia coisas bonitas. Lindas, até. Mas pelo que li da mente dele, todas as palavras traziam segundas intenções. Tenho pena daquelas que caem na conversa dele.
- Eu deveria protegê-la desse tipo de ataque também, ojou-sama, mas fico feliz em saber que você consegue se livrar dessas situações sem expor sua natureza.

Ele acomodou os pães numa cadeira, baixou a cabeça na mesa, fechou os olhos e começou a cochilar.
Levantou a cabeça.

- "DaquelAS" que caem na conversa dele? Aquilo era hetero?
- Eu não pareço um menino, pareço?
- Definitivamente não, ojou-sama.

Ele baixou a cabeça novamente, e ela felizmente recebeu outra bebida.

quinta-feira, agosto 20, 2009

02

Ela andava com a satisfação de quem acabara de fazer compras. Muitas compras.
Coincidentemente, era o que tinham acabado de fazer.
Ela carregava algumas poucas sacolas; ele carregava várias, mas ainda tinha certa mobilidade, caso precisasse dela.

- Sobre cachorros... - o rosto dele reagiu ao assunto iminente, e ela continuou - o que dizer daqueles que nasceram no ano do cachorro?
- Eu poderia dizer muitas coisas, mas se você quer ouvir coisas bonitas, eu diria pra você pesquisar em algum livrinho anual de auto-ajuda.
- Será que eu nasci no ano do cachorro? Nunca parei pra pensar nisso.
- Quando você nasceu, ojou-sama, os sábios provavelmente sequer tinham pensado em atribuir animais aos anos. Quem dirá um diabo de cachorro.

Ela encontrou uma superfície que a refletia, e ficou se admirando por uns segundos.
- Haha, e nem pareço, hmm? - disse, esperando um elogio. Ela tinha motivos para ser elogiada, então era algo normal de se esperar, e ela adorava isso.

Mas todo esse papo sobre cachorros bagunça o raciocínio de uma pessoa.
"Talvez alguém com problemas de visão pudesse achar que, pelo seu porte e tamanho, você é tão velha que seu corpo encurvou-se e seu busto murchou, ao passo que aqueles que a enxergam em seu esplendor, ojou-sama, simplesmente não conseguem imaginá-la mais velha, e anseiam pelo momento".

Era o que ele tinha pensado em falar. Não era o melhor dos elogios, mas ela ficaria satisfeita com isso, porque eram palavras sinceras.
Mas o elogio não saiu. Ele não sabe exatamente o que aconteceu, mas assim que começou a falar "ao passo..." ele sentiu uma pontada violenta nas costelas, o que lhe tirou a voz e quase o fez derrubar as compras e se ajoelhar no chão - mas ele não tinha permissão para derrubar as compras e se ajoelhar no chão, de modo que apenas ficou parado por um instante, com todo seu vocabulário de palavrões passando pela mente e ficando por lá, sem sair pela boca.

- Eu sei o que você pensou em dizer. Achei adorável! Mas cuidado com a ordem em que você põe as palavas nas frases, se não quiser ser mal compreendido. E se interessar, não consegui ler os palavrões - passaram rápido demais pela sua cabeça. Vem, vamos tomar sorvete!

(talvez continue)

terça-feira, agosto 18, 2009

01

Ela se ajoelhou diante do filhote e brincou com ele, sorrindo. Ele continuou em pé, sorrindo pela suave alegria dela, mas olhando com desdém para o cachorro.
- Você definitivamente não gosta de cachorros?
- Definitivamente, ojou-sama.
Ela se levantou, ajeitou as roupas e começou a andar.
- Algum motivo em especial para esse desgosto?
- Nada especial, ojou-sama. Mas se preciso citar algo, diria que eles fedem, tanto quanto um campo de batalha onde os homens perdem o controle sobre as tripas.
- Gatos também podem ter um cheiro terrível.
- Claro, ojou-sama, mas apenas se eles comerem algo com cheiro terrível e se lamberem. Um cachorro precisa apenas se manter vivo para cheirar mal, piorando depois de morto.

Ela suspirou, divertida com as palavras dele.
- E se os cachorros não existissem?
- Teríamos um xingamento a menos no nosso vocabulário.

Ela o encarou com um olhar frio, indignada com a resposta. Ele sentiu isso.
- Bom, os egípcios teriam um deus a menos, no mínimo, ojou-sama; e os cristãos teriam um santo a menos.
- Existe um santo cachorro? - ela, em toda sua existência, nunca ouvira falar disso.
- Existe. Não lembro o nome, nem se ele ainda é considerado santo, mas aqueles que o seguiam traziam no pescoço um colar com um osso de cachorro pendurado.
- Mas... o que um cachorro faz para virar santo?
- Deve ter comido os colhões de um estuprador de freiras e se engasgado até a morte com isso. Um mártir, ojou-sama.

Ela sorriu, enfim. Era o tipo de resposta que ela esperava, e se divertia com isso.

(pode vir a continuar)