quinta-feira, agosto 20, 2009

02

Ela andava com a satisfação de quem acabara de fazer compras. Muitas compras.
Coincidentemente, era o que tinham acabado de fazer.
Ela carregava algumas poucas sacolas; ele carregava várias, mas ainda tinha certa mobilidade, caso precisasse dela.

- Sobre cachorros... - o rosto dele reagiu ao assunto iminente, e ela continuou - o que dizer daqueles que nasceram no ano do cachorro?
- Eu poderia dizer muitas coisas, mas se você quer ouvir coisas bonitas, eu diria pra você pesquisar em algum livrinho anual de auto-ajuda.
- Será que eu nasci no ano do cachorro? Nunca parei pra pensar nisso.
- Quando você nasceu, ojou-sama, os sábios provavelmente sequer tinham pensado em atribuir animais aos anos. Quem dirá um diabo de cachorro.

Ela encontrou uma superfície que a refletia, e ficou se admirando por uns segundos.
- Haha, e nem pareço, hmm? - disse, esperando um elogio. Ela tinha motivos para ser elogiada, então era algo normal de se esperar, e ela adorava isso.

Mas todo esse papo sobre cachorros bagunça o raciocínio de uma pessoa.
"Talvez alguém com problemas de visão pudesse achar que, pelo seu porte e tamanho, você é tão velha que seu corpo encurvou-se e seu busto murchou, ao passo que aqueles que a enxergam em seu esplendor, ojou-sama, simplesmente não conseguem imaginá-la mais velha, e anseiam pelo momento".

Era o que ele tinha pensado em falar. Não era o melhor dos elogios, mas ela ficaria satisfeita com isso, porque eram palavras sinceras.
Mas o elogio não saiu. Ele não sabe exatamente o que aconteceu, mas assim que começou a falar "ao passo..." ele sentiu uma pontada violenta nas costelas, o que lhe tirou a voz e quase o fez derrubar as compras e se ajoelhar no chão - mas ele não tinha permissão para derrubar as compras e se ajoelhar no chão, de modo que apenas ficou parado por um instante, com todo seu vocabulário de palavrões passando pela mente e ficando por lá, sem sair pela boca.

- Eu sei o que você pensou em dizer. Achei adorável! Mas cuidado com a ordem em que você põe as palavas nas frases, se não quiser ser mal compreendido. E se interessar, não consegui ler os palavrões - passaram rápido demais pela sua cabeça. Vem, vamos tomar sorvete!

(talvez continue)

terça-feira, agosto 18, 2009

01

Ela se ajoelhou diante do filhote e brincou com ele, sorrindo. Ele continuou em pé, sorrindo pela suave alegria dela, mas olhando com desdém para o cachorro.
- Você definitivamente não gosta de cachorros?
- Definitivamente, ojou-sama.
Ela se levantou, ajeitou as roupas e começou a andar.
- Algum motivo em especial para esse desgosto?
- Nada especial, ojou-sama. Mas se preciso citar algo, diria que eles fedem, tanto quanto um campo de batalha onde os homens perdem o controle sobre as tripas.
- Gatos também podem ter um cheiro terrível.
- Claro, ojou-sama, mas apenas se eles comerem algo com cheiro terrível e se lamberem. Um cachorro precisa apenas se manter vivo para cheirar mal, piorando depois de morto.

Ela suspirou, divertida com as palavras dele.
- E se os cachorros não existissem?
- Teríamos um xingamento a menos no nosso vocabulário.

Ela o encarou com um olhar frio, indignada com a resposta. Ele sentiu isso.
- Bom, os egípcios teriam um deus a menos, no mínimo, ojou-sama; e os cristãos teriam um santo a menos.
- Existe um santo cachorro? - ela, em toda sua existência, nunca ouvira falar disso.
- Existe. Não lembro o nome, nem se ele ainda é considerado santo, mas aqueles que o seguiam traziam no pescoço um colar com um osso de cachorro pendurado.
- Mas... o que um cachorro faz para virar santo?
- Deve ter comido os colhões de um estuprador de freiras e se engasgado até a morte com isso. Um mártir, ojou-sama.

Ela sorriu, enfim. Era o tipo de resposta que ela esperava, e se divertia com isso.

(pode vir a continuar)