quarta-feira, fevereiro 17, 2010

05

- E também tem o fato de você registrar uma frase ou pensamento através de das falas do personagem.
- Mas pode-se usar um caderno de notas também, ojou.
- Certamente. Mas registrar pela fala de um personagem é mais interessante, pois haverá o contexto onde o personagem está inserido, que justifica a frase.
- E assim você não esquece o porquê da frase ter sido bolada, tal como pode acontecer num caderno de notas. Interessante.

Estavam no jardim. A neve cobria suavemente a grama e as árvores, e uma fina camada de gelo se formava sobre as águas. Ele colhia lenha - para ele mesmo, visto que ela não sentia frio se assim quisesse. Ainda assim, apreciava o fogo de uma lareira, e isso o fazia cortar lenha ao invés de confortar-se com um aquecedor.

- Ojou, registrei isso para mim: "você tem tanto uso quanto os vestígio de esterco e suor na virilha de um carneiro". Ainda tenho que otimizar a frase, mas acho que ela já é válida para ser registrada.

Ela criou um contexto, inseriu os personagens, inseriu a frase. Pensou em ilustrar a cena. Leu o que tinha acabado de escrever, corrigiu alguns trechos. Otimizou a frase.
Finalmente, arrancou a página, tranformou-a numa bola de papel e atirou-a nele.

- Queime - disse, e voltou para a casa.

Quando ela se afastou, ele desamassou o papel e leu o que ela escreveu. A frase otimizada. A cena. Concordou que o papel deveria ser queimado. O fato que ela poderia criar tais profanações não era certo, e evidências dessa capacidade não deveriam existir.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

04

Ela estava em sua escrivaninha, concentrada. Escrevendo ou desenhando.
Ele não costuma se interessar muito com como ela passa o tempo, mas era uma cena incomum.

- O que estás fazendo, ojou?
- Desenhando. Escrevendo. Criando personagens.
- Algo grande em mente?

Ela para de mover o lápis. Aguarda uns segundos antes de responder.
- Não, nada grande. Quando você faz uma crônica, você ganha o mérito se as pessoas gostam, mas chovem críticas, normalmente negativas, se você não agrada.

Esse é um problema recorrente de qualquer pessoa que escreve um texto. Alguém não vai gostar do que você disse e manifestará o descontentamento enfaticamente.

- Mas se você faz um personagem comentar algo, a coisa muda um pouco. Se o que o personagem falou for bem recebido, você ganhará pontos, pois foi você quem inventou o que o personagem disse. Logo, você rouba os créditos do seu personagem.

Ele percebeu que estava comendo os biscoitos que ela tinha trazido para a escrivaninha no momento em que eles acabaram. Ela não se importou e continuou:

- E se você faz um personagem falar algo indigesto, o personagem vira um escudo. Não foi você quem desagradou, foi o personagem. Ele falou aquilo porque a personalidade dele o fez falar aquilo. E ainda terá quem o elogiará, porque fazer um personagem detestável é um grande e glorioso feito. Se expressar através de personagens tem maior tendência a render lucros - desde que as pessoas se lembrem de que os personagens são seus.

Ela voltou a mexer o lápis.

Fazia sentido. Ele nunca tinha ouvido ela falar algo que não fosse aprovado pelo público. Talvez com essa idéia ela pretendesse soltar algumas declarações diferentes.

A razão da existência dos personagens dela lhe parecia estranhamente familiar, mas preferiu não perder tempo pensando no assunto.

domingo, novembro 08, 2009

03

Enquanto ele não aparecia, ela matava tempo bebendo algo. Qualquer coisa. Sem álcool.
Um sujeito, bem arrumado - bem arrumado demais, até, duma maneira que levanta dúvidas sobre a sexualidade do indivíduo - sentou na mesa dela e começou a conversar. Ela se mostrou indiferente com a presença dele e não respondia ao que ele falava, mas como não fora expulso, ele continuava a falar, evitando frases que precisassem de alguma resposta dela para continuar sua conversa.

Pode-se dizer que ela o fascinava. E ele falava, bela e pomposamente, o sujeito. Sabia usar as palavras ao dirigir-se a uma dama.

Então ele chegou, e ficou olhando a cena, com um saco de pão nos braços, sem entender muito o que acontecia. Ela o avistou. Fora questionada com um olhar e ela deu de ombros. O indivíduo interrompeu seu monólogo, olhou para a aparência bruta daquele que chegava (embora qualquer um parecesse bruto diante de alguém tão bem vestido que beirava a fronteira para o espalhafatoso) e bradou, desafiante:

- Deixe-a aos meus cuidados! Certamente sou capaz de proporcionar a essa dama serviços muitos melhores do que um bruto como você! Se é que você pode proporcional algo... - e seguiu com uma risadinha inconveniente.

Ela achou aquilo muito divertido. O indivíduo estava numa pose desafiante. Mas ele, que acabara de chegar com pães, não parecia estar no humor para continuar aquilo que, para ele, pelos deuses, só podia ser uma piada.

- Posso dar a ela suas tripas numa bandeja, para que ela possa usar como recheio para estes pães.


O rosto do indivíduo foi adornado por uma expressão de asco, e ela riu. Uma risada suave, agradável e, na falta de termo melhor, gostosa de se ouvir. Era o tipo resposta que ela esperava ouvir, mas ainda assim ela sempre se surpreendia.
O indivíduo a encarou. Ela deu de ombros e mandou-o embora com as mãos. E ele sumiu.

- Sabe, ele dizia coisas bonitas. Lindas, até. Mas pelo que li da mente dele, todas as palavras traziam segundas intenções. Tenho pena daquelas que caem na conversa dele.
- Eu deveria protegê-la desse tipo de ataque também, ojou-sama, mas fico feliz em saber que você consegue se livrar dessas situações sem expor sua natureza.

Ele acomodou os pães numa cadeira, baixou a cabeça na mesa, fechou os olhos e começou a cochilar.
Levantou a cabeça.

- "DaquelAS" que caem na conversa dele? Aquilo era hetero?
- Eu não pareço um menino, pareço?
- Definitivamente não, ojou-sama.

Ele baixou a cabeça novamente, e ela felizmente recebeu outra bebida.

quinta-feira, agosto 20, 2009

02

Ela andava com a satisfação de quem acabara de fazer compras. Muitas compras.
Coincidentemente, era o que tinham acabado de fazer.
Ela carregava algumas poucas sacolas; ele carregava várias, mas ainda tinha certa mobilidade, caso precisasse dela.

- Sobre cachorros... - o rosto dele reagiu ao assunto iminente, e ela continuou - o que dizer daqueles que nasceram no ano do cachorro?
- Eu poderia dizer muitas coisas, mas se você quer ouvir coisas bonitas, eu diria pra você pesquisar em algum livrinho anual de auto-ajuda.
- Será que eu nasci no ano do cachorro? Nunca parei pra pensar nisso.
- Quando você nasceu, ojou-sama, os sábios provavelmente sequer tinham pensado em atribuir animais aos anos. Quem dirá um diabo de cachorro.

Ela encontrou uma superfície que a refletia, e ficou se admirando por uns segundos.
- Haha, e nem pareço, hmm? - disse, esperando um elogio. Ela tinha motivos para ser elogiada, então era algo normal de se esperar, e ela adorava isso.

Mas todo esse papo sobre cachorros bagunça o raciocínio de uma pessoa.
"Talvez alguém com problemas de visão pudesse achar que, pelo seu porte e tamanho, você é tão velha que seu corpo encurvou-se e seu busto murchou, ao passo que aqueles que a enxergam em seu esplendor, ojou-sama, simplesmente não conseguem imaginá-la mais velha, e anseiam pelo momento".

Era o que ele tinha pensado em falar. Não era o melhor dos elogios, mas ela ficaria satisfeita com isso, porque eram palavras sinceras.
Mas o elogio não saiu. Ele não sabe exatamente o que aconteceu, mas assim que começou a falar "ao passo..." ele sentiu uma pontada violenta nas costelas, o que lhe tirou a voz e quase o fez derrubar as compras e se ajoelhar no chão - mas ele não tinha permissão para derrubar as compras e se ajoelhar no chão, de modo que apenas ficou parado por um instante, com todo seu vocabulário de palavrões passando pela mente e ficando por lá, sem sair pela boca.

- Eu sei o que você pensou em dizer. Achei adorável! Mas cuidado com a ordem em que você põe as palavas nas frases, se não quiser ser mal compreendido. E se interessar, não consegui ler os palavrões - passaram rápido demais pela sua cabeça. Vem, vamos tomar sorvete!

(talvez continue)

terça-feira, agosto 18, 2009

01

Ela se ajoelhou diante do filhote e brincou com ele, sorrindo. Ele continuou em pé, sorrindo pela suave alegria dela, mas olhando com desdém para o cachorro.
- Você definitivamente não gosta de cachorros?
- Definitivamente, ojou-sama.
Ela se levantou, ajeitou as roupas e começou a andar.
- Algum motivo em especial para esse desgosto?
- Nada especial, ojou-sama. Mas se preciso citar algo, diria que eles fedem, tanto quanto um campo de batalha onde os homens perdem o controle sobre as tripas.
- Gatos também podem ter um cheiro terrível.
- Claro, ojou-sama, mas apenas se eles comerem algo com cheiro terrível e se lamberem. Um cachorro precisa apenas se manter vivo para cheirar mal, piorando depois de morto.

Ela suspirou, divertida com as palavras dele.
- E se os cachorros não existissem?
- Teríamos um xingamento a menos no nosso vocabulário.

Ela o encarou com um olhar frio, indignada com a resposta. Ele sentiu isso.
- Bom, os egípcios teriam um deus a menos, no mínimo, ojou-sama; e os cristãos teriam um santo a menos.
- Existe um santo cachorro? - ela, em toda sua existência, nunca ouvira falar disso.
- Existe. Não lembro o nome, nem se ele ainda é considerado santo, mas aqueles que o seguiam traziam no pescoço um colar com um osso de cachorro pendurado.
- Mas... o que um cachorro faz para virar santo?
- Deve ter comido os colhões de um estuprador de freiras e se engasgado até a morte com isso. Um mártir, ojou-sama.

Ela sorriu, enfim. Era o tipo de resposta que ela esperava, e se divertia com isso.

(pode vir a continuar)

segunda-feira, outubro 27, 2008

Manhã rotineira. Fictícia, claro.

É cedo, mas não de madrugada. Ele não deve ser do tipo que acorda de madrugada. Mas me parece razoável que ele tome café na cama ou coisa assim. Suponhamos que seja o caso.

Sua empregada - Carla, por exemplo - lhe traz o café. Enquanto serve ao seu patrão, este pergunta:

- Como estão a bolsa e o dólar, Carla?
- Dólar a R$ 2,50, senhor; e a bolsa já abriu em queda.
- Então, traga-me o terno.

Ele levanta da cama, deixando o café ali. Ele não deve demorar. Veste o terno. Não arruma o cabelo, porque ele não tem muito o que arrumar. Faz um telefonema. Em poucos minutos a mídia está à sua porta. Ele faz um depoimento. A mídia se vai. Ele volta para seu quarto, guarda o terno e volta para o seu café. Liga a televisão. Assiste o depoimento que dera há pouco. O dólar passa a reduzir a alta, a bolsa passa a reduzir a queda.

Com um sorriso de satisfação, ele passa a saborear o seu café.

- Mais alguma coisa, senhor Henrique?
- Avise o motorista que sairei em meia hora.

E então ele segue para seu trabalho.

Claro, a vida real não é tão simples, mas me diverti pensando nessa narrativa.

quarta-feira, outubro 01, 2008

Huntar X

Encontrei esse texto no meu desktop, na hora de fazer backup de algumas coisas.
Levei cinco minutos pra descobrir que eu mesmo o escrevi, provavelmente em 2006/2007.

"Huntar" é uma estória escrita por um cidadão chamado Caio, sob o nick de Purgatory_Archangel, e eu servia como revisor/crítico.
Tal cidadão apareceu do nada no finado fórum do Pamonhas of Apocalypse, e sumiu quando o referido fórum foi pro saco.
Aye, as badass as it sounds.

Huntar tinha dois personagens principais, Doc e Goggles; e a "série" nunca foi acabada. Nesta versão que eu fiz, a história se passa anos depois do último capítulo de Huntar que foi lançado.
Eu também não terminei o conto, mas está aí. Enjoy.

-----

.Setor Lambda 7
..Dorgen Ruins

- Tem manteiga?

12º ano após a queda dos Excluídos.

- Dá pra raspar o pote ainda.

13º aniversário da morte de Doc, soldado lendário que dizem ter matado o governador anterior.
E dois soldados que por acaso lembraram-se do fato o homenageavam passando margarina em pão mofado.
07:30 da manhã, tempo fechado, temperatura de 12°C. Um dia maravilhoso para aquele setor.

- Doc dizia que penicilina faz bem. Ele iria ficar satisfeito com isso.
- Sim, misturada com manteiga dá um lustre interessante nas armas, embora fiquem escorregadias.
Os dois lustraram suas armas com o composto e levantaram-se,

- Há quanto tempo não comemos algo por necessidade?
- Uns 10 anos, acho.
- Oh..

Há dois meses foi descoberta uma porta não catalogada no sistema de informação do governo. Todas as portas eram catalogadas pelo governo. Era ilegal possuir uma porta não catalogada, ou construídas sem autorização. Como não havia burocracia alguma para se fazer uma porta, era uma maneira tola para arrecadar dinheiro.

Três esquadrões militares foram destacados para coletar informações, e não voltaram. "Devem ter morrido também".
O único sobrevivente que viu a Porta (nome oficial elaborado depois de 7 minutos de discussão. Desistiram de discutir porque o café estava esfriando) foi um prestador autônomo de serviços militares.

.Sede do Governo
..Salinha do Café

- Eu vi a Porta (nome prático). Nos metros anteriores a dela, corpos de vários soldados, alguns do governo, alguns de guerrilhas, e alguns com distintivos toscos que não me dei ao trabalho de tentar reconhecer. Sentado na frente da porta, um único homem a guardava. Fora ele quem dizimou os grupos de reconhecimento.
- E por que você foi poupado, então, diabos?
- O homem disse que eu fui o único que não chegou atirando, então pude manter uma conversa com ele.

*o prestador autônomo de serviços militares pigarreou*

- Ele pediu informações sobre a bolsa de valores, as modelos de moda do momento, e o sabor da Coca-Cola. Ele parecia ter muito interesse em Coca-Cola. E em mulheres também. Na verdade, ele se revelou satisfeito ao saber que não existe mais bolsa de valores.
- E por que infernos ele está lá?
- Ah.. a conversa estava tão interessante que não me lembrei de perguntar. Mas sei que ele não come, dorme apenas 2 horas por dia (fracionada entre as 24 horas totais), e suas únicas armas são uma pistola com munição infinita e um teclado com o qual ele controla as metralhadoras de avião presas no teto.
- Pistola com munição infinita.
- Sim, uma beleza! Toda feita a mão, utilizando yoctotecnologia, design feito pela antiga Pininfarina, e com um pequeno ornamento, tipo aqueles de espadas chinesas, mas menor.
- Yoctotecnologia.
- Yoctotecnologia.
- Você vai até a Porta, fala com o guardião da Porta, tem um papo animadíssimo com o mesmo, e não pergunta por que raios ele está ali, ou para quê serve a porta?
- Claro, não fui pago para trazer informações, fui pago para chegar vivo até a porta. Todo o resto foi parte do meu free-time depois de cumprir a missão.
- (O que aconteceu com os bons mercenários de quando o autor dessa fic era outro?)

[EoF]

-------

Ah sim, me avisem se conhecerem algum Caio que um dia atendeu como Purgatory_Archangel.